domingo, 17 de maio de 2009

SUOR


Ela estava lá. Dentro daquela caixa grande de ferragens que já tivera vários nomes com o passar de gerações. O coletivo estava especialmente lotado naquela manhã e a moça de meia-idade já começava a suar. Nada de mais irritante que sentir aquele filete de riacho escorrer pela sua cervical, por sobre a pele já bem hidratada.

Um entra, outro entra, ninguém sai. Um pede licença, a criança chora, a idosa reclama do joelho que insiste em não engrenar. E nossa moça observa o martírio matinal de cada um. E o seu? E a vontade que lhe cegava a garganta? Ela sentia como se todas aquelas pessoas estivessem condenando seu querer, como se pudessem ler em sua própria pele o cheiro exalando o desejo. E se tirasse de dentro de sua bolsa o alívio quente? Crucificada seria. Se não por todos, pela maioria. Queimariam-na entre os assentos como uma herege da Idade Média.

Entre esses pensamentos, a raiva lhe aumentava tal qual o filete de riacho que se transformara num intenso oceano de suor. Mais uma parada e enfim, seu martírio acabaria. E assim se sucedeu. O motorista freou e toda a população do coletivo desafiou a gravidade, se encostando entre barras e braços e pés. Ela desceu. Enfim, estava livre para ser e fazer o que agradasse seu bel prazer. Meteu a mão na bolsa, que mais parecia um arquivo morto em toda sua extensão, e então, ascendeu a brasa daquele derradeiro e mortal cigarro. E, soltando a fumaça, degustando a agradável sensação de ter companhia, olhou os olhares de duas crianças que a imitava do outro lado da rua. E sentiu a nascente do riacho em suas costas novamente.

Luciana Romano.

3 comentários:

  1. kkkkkkkkk,

    Obrigado (a)!!!!!!!!!!


    Sayô, Sayô, Sayô! Minha Diva!



    Beijos mega vermelhos...

    P.S: nós amamos esse!

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  2. Se não fosse pela Sayô, nada seria desse conto.

    Ó triste fim de um conto sem fim, seria!!!

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